Há muito li esse texto e me surpreendi, pois o mesmo refletia muito do que penso - vai, aliás, bem de encontro ao que falei no último domingo. Imediatamente, o acresci como nota no Facebook, para que outros também pudessem pensar a respeito, e enviei também por e-mail a algumas pessoas. Hoje, percebi que ainda não havia compartilhado com vocês por aqui, então, nesta manhã, o reproduzo, para que leiam, reflitam e façam correr a ideia por mais lugares.
Aos
nossos filhos
Frei
Betto
Não
tenho filhos. Mas, obviamente, sou filho, em companhia de mais sete irmãos. Se
me faltam filhos biológicos, tenho-os espirituais ou por vínculos de
parentesco. Sobrinhos são 16. Sobrinhos-netos, 14, dos quais nove com menos de
cinco anos de idade!
Quando
se fala em legado aos filhos há quem, de cara, pense em dinheiro. Tudo bem que
os pais queiram fazer um pé de meia de olho no futuro de seus rebentos. Mas...
cuidado! Não é dinheiro o que um filho mais espera dos pais, ainda que não
saiba expressá-lo. É amor, amizade, apoio e, sobretudo, exemplo de vida. Thomas
Mann dizia que um bom exemplo é o melhor legado dos pais aos filhos.
Ainda
que os pais, bafejados pela roda da fortuna, deixem a seus descendentes gordas
heranças, estas não deveriam ser o principal legado. Nada mais perigoso a um
jovem que centrar sua autoestima na conta bancária ou no patrimônio familiar. É
meio caminho para se tornar arrogante, preconceituoso e vulnerável às drogas.
Sobretudo à cocaína, cujo efeito anaboliza a prepotência. Ao primeiro revés, o
herdeiro despencará no abismo, despreparado para enfrentar a realidade.
Quem
não se sente subjetivamente valorizado corre o risco de querer nutrir sua
autoestima através de valores financeiros e patrimoniais. O ter suplantando o
ser. Como o desejo tem fome de infinito, o tamanho da ambição costuma ter a
medida da profundidade da frustração. Na Roma antiga os filósofos aconselhavam
a considerar o necessário o suficiente. Uma sábia dica para saber lidar com a
avassaladora pulsão consumista que assola o mundo.
Educação
e espiritualidade
O
melhor legado aos filhos é, sem dúvida, uma boa educação. Não me refiro apenas
à escolaridade, que é imprescindível. Pesquisas comprovam que, no mercado de
trabalho, o nível de escolaridade corresponde ao salarial. Conhecimento é
poder.
A
educação ética deveria ser o principal legado aos filhos. E ela decorre do
exemplo dos pais. Estes devem fazer a escolha: incutir nos filhos atitudes de
competitividade ou de solidariedade? O professor Milton Santos, da
USP, enfatizava a importância de se perseguir os bens infinitos, e não
apenas os finitos. A advertência ganha especial importância neste mundo
desimbolizado, desencantado, em que vivemos, onde se carece de abertura aos
valores
transcendentais.
Em sua
Metafísica dos costumes Kant alerta: "Tudo tem ou bem preço ou bem
dignidade. O que tem preço pode ser substituído por seu equivalente; ao
contrário, o que não tem preço e, portanto, equivalente, é o que
possui dignidade." Em outras palavras, o sadio orgulho de ser ético
se contrapõe à miserável satisfação de ser esperto.
Uma
criança não deve ser movida a consumo, e sim a aprendizado, brincadeiras e
fantasias. Um jovem será tanto mais cidadão quanto mais se incutir nele
esperanças altruístas, ideais, sentido de vida e utopias.
Toda
criança é mimetista. Se os pais dizem que toda pessoa merece respeito e, ao
mesmo tempo, tratam a faxineira como escrava virtual, com certeza o filho fará
o mesmo quando adulto. Idem no que diz respeito à preservação ou degradação
ambiental.
O
legado moral consiste em evitar que o filho seja preconceituoso, mentiroso,
invejoso, e saiba tratar cada ser humano com pleno respeito à sua dignidade e a
seus direitos. Sobretudo, que tenha espírito crítico e disposição de tornar o
mundo menos desigual e mais justo.
Todos
acompanhamos o recente episódio, no Rio, do rapaz que, num racha, desrespeitou
a sinalização de "trânsito impedido" num túnel em obras e matou
Rafael, 18, filho da atriz Cissa Guimarães com o músico Raul Masca renhas.
Segundo
o noticiário, o pai do jovem homicida teria subornado os policiais incumbidos
de puni-lo. Tal pai, tal filho.
Isso
vale para outros aspectos da vida. Como se queixar do filho obeso se os pais se
empanturram à mesa e se entopem de açúcares e gorduras saturadas? Com
frequência, pais de adolescentes me consultam sobre como agir frente
à indiferença religiosa dos filhos. Minha primeira reação é dizer que a
pergunta veio com dez anos de atraso. Se os filhos tivessem 6 ou 8 anos, e não
16 e 18, eu saberia o que aconselhar: orem com eles, leiam e comentem a Bíblia,
levem a sério o caráter religioso de datas como Páscoa, Natal ou, caso não
sejam cristãos, as efemérides próprias de sua denominação religiosa.
E
exercite-os na cada vez mais rara virtude da tolerância. Deus não tem religião.
Ensinem a seus filhos não considerarem diferença divergência. Pela ordem
natural, pais morrem ou transvivenciam antes de seus descendentes. Se indaguem
- que imagem vocês deixarão na memória de seus filhos? Lembrem-se de seus
próprios pais e avós. Quais os legados positivos e negativos eles imprimiram em
sua memória afetiva? Deixaram saudades?
A
parábola
Um
homem muito rico, acometido de grave doença e desenganado pelos médicos,
convocou filhos e netos para comunicar-lhes a herança que lhes deixaria. Todos,
ansiosos, compareceram ao hospital. Formaram uma grande roda em torno do leito.
Dada
a ordem, o advogado do enfermo abriu a pasta e distribuiu aos herdeiros caixas
de fósforos, uma para cada um. Decepcionados, entreolharam-se e, ao abrirem a
caixinha, encontraram pequenas sementes. O homem, tom ando em mãos uma das
caixas, explicou: "Esta semente é a do amor; esta, da solidariedade; esta
aqui, da compaixão; esta, da amizade; aquela ali, do perdão. Se vocês souberem
cultivá-las, haverão de ser felizes." E acrescentou: "A fortuna que
acumulei será destinada a obras sociais."